SESSÃO DAS 20H
Representatividade:
você se enxerga na TV?
Jayne Machado
Saber da diferença do outro é algo que nos acompanha desde nossa primeira infância. Nós aprendemos na escola que, apesar de sermos todos diferentes esteticamente, internamente, somos iguais por que temos direitos e deveres. Me recordo dessa ter sido uma das primeiras coisas que aprendi, e acredito que ainda hoje existam esses tipos de discursos pedagógicos que pregam igualdade e respeito.
O tempo passa, nós crescemos, e, ao longo da vida, vamos nos esbarrando em rótulos, categorias, grupos. Juntamente com esse discurso de que somos todos iguais, nossa sociedade entra em contradição cotidianamente nos pondo em caixas com rótulos grandes e chamativos. Aprendemos que o livre arbítrio é seletivo, e o porquê de ser assim ninguém sabe dizer, só é. Começo esse texto assim para pontuar a reflexão de saber que onde terminamos é quando o outro começa. Aprendemos, assim, que não somos todos iguais e que cada um tem seu espaço.
A partir daqui eu pergunto a você leitor: quantas vezes você se identificou profun-
damente com um personagem cinematográfico? Eu lembro a primeira vez que is-
so aconteceu comigo. Eu tinha uns 11 ou 12 anos e assistia a um filme com a min-
ha mãe. Imagine Eu e Você contava a história de uma mulher que em seu casamento
com um homem se apaixonava pela florista que ornamentou a Igreja. Agora imagine
o porquê dessa pré-adolescente se identificar com essa personagem: tanto eu
como ela somos bissexuais.
Demorei um tempo para ter conhecimento da palavra, já que a maioria da representação bissexual não explicita e fala com todas as letras sobre. Visar plataformas que podem evidenciar a existência do outro é um trabalho importante e que exige tato, afinal representar não é fácil. O ponto principal desse texto gira em torno das telenovelas, que, por serem transmitidas pela TV aberta e consideradas um fenômeno de audiência, se tornam um bom produto a se analisar.
Percebe-se que aos poucos as telenovelas vão se adentrando ao cotidiano real e tentam trazer diversidade para seus enredos, mesmo que a passos lentos. Aqui
pontuo o início desse texto novamente, destaco que para saber quem nós somos precisamos saber quem é o outro. A representatividade na telinha importa
por conta disso: enquanto não nos vermos nas novelas, filmes, séries, nossa realidade será negligenciada.
Levando em consideração que é na educação que se discute ressignificações, conceitos novos, mudanças históricas, ver a mídia como forma de educação é crucial para nosso desenvolvimento social. Assim, acreditar nas telenovelas como pontapés para debates sociais é importante, principalmente quando o foco é representatividade.
Acredito que todos que irão ler esse texto já viram pelo menos um capítulo de uma novela. E me vem a dúvida: quantos já se enxergaram nos personagens? Eu como mulher bissexual já vi alguns bissexuais na telinha, mas poucos se afirmavam como bi ou terminavam a trama com algo concreto. A maioria dos produtos audiovisuais transmitiam traição, confusão, indecisão. Dessa forma, me sentindo inteira e vivendo normalmente com minha sexualidade, é difícil me identificar com esses personagens que em teoria eram para ser parecidos comigo.
Uma das primeiras novelas a falar a palavra bissexual foi a novela Em Família, com a personagem Clara que tinha um casamento heterossexual e se apaixonou por uma mulher. Para surpresa dos telespectadores, quem fala sobre a bissexualidade é a mãe da personagem e ainda assim de forma rasa, então eu me pergunto, até quando nossa representatividade será limitada?


Imagine eu e você (2005)

Em Família (2014)
Produtos audiovisuais compõem nosso cotidiano e falar sobre o poder que eles têm para agenciar debates e impulsionar conceitos é urgente. Apesar da concorrência midiática com internet e seriados na atualidade, a telenovela ainda desfruta de uma certa preponderância no cenário televisivo brasileiro, sendo um dos gêneros mais assistidos no país, mesmo havendo oscilação de audiência.
Enxergar as novelas como meio de comunicação de grande amplitude, sendo capaz de interferir na rotina das pessoas, propagar informações diversas, propor padrões de comportamento e criar expectativas pessoais e modos de vida são atitudes necessárias. Dessa forma, finalizo esse texto enxergando-o como desabafo, como grito para ser vista, enxergada e representada. Representatividade importa e espero que cada vez mais a consciência e o tato se aproximem dos produtos audiovisuais que nos rodeiam e perpetuem entre os nossos.