Barravento: Um marco para a produção cinematográfica brasileira
Leonardo Reis
Na produção fílmica de Barravento, Glauber Rocha teve o papel de diretor - no começo da filmagem, a produtora baiana Iglu Filmes, que era responsável pelo projeto, tinha deixado a direção a cargo de Luiz Paulino dos Santos, que já havia trabalhado com Glauber na produção anterior. Ao assumir esse posto, Rocha mudou parte do elenco e do corpo de roteiro do filme.
Barravento se passa no estado da Bahia e é gravado em uma vila de pescadores de xaréu. A produção desse filme foi mais como um experimento brasileiro e fervido, algo mais do campo das ideias. Dentro do contexto do longa, há uma evidente imersão em religiões de matrizes africanas, mais precisamente afro-brasileiras. O filme percorre por tradição, cultura litorânea-pesqueira, aspectos étnicos e posicionamento político.
A narrativa conta a trajetória de personagens marcantes e com essência dentro do contexto cultural e regional. A pesca foi bem retratada dentro da perspectiva da fotografia. A representatividade mostrou a força de um povo forte e batalhador e que trabalha com o que tem, que no caso era a produção pesqueira. O personagem principal muda de vida e passa por outros processos que estavam acontecendo na época, afetando o enredo da construção de caráter dele. Assim, quando ele deixou o seu povo e mudou de pensamento em relação ao que a comunidade era devota, eles o julgaram dizendo que foi “corrompido pelo outro povo”. O contraste de vidas ficou evidente dentro da transitoriedade de um personagem específico, assim a mudança se fixou como um ponto a ser identificado nessa obra.

Barravento (1962). Foto: Divulgação.
Questões de racismo foram bem colocadas e explícitas de forma que a vila e seus personagens que a circundavam eram negros e isso foi um dos discursos marcantes dentro da película. A fundamentação de religiões que envolviam misticidade e uma certa crença enraizada trouxe questões relevantes principalmente dentro do universo de produção cinematográfica da época. Barravento foi um filme completamente diferente para as produções que estavam sendo feitas no mesmo período.
A representação do povo brasileiro, refletida nos pescadores, foi algo que consegui observar dentro do enredo fílmico. As intervenções divinas eram algo que os personagens seguiam à risca e se tornavam quase uma lei, como se o que acontecesse fosse um aviso e que aquilo não podia ser quebrado ou ter algum tipo de mudança.
Questões políticas eram bem opressoras, tangenciando para a esquerda. No entanto, essa evidente repressão que vivenciavam proporcionou a população a se fixar em crenças salvadoras que “jamais as salvaram”.

Barravento (1962). Foto: Divulgação.
Eventos explorados de maneira dinâmica pelo foco da câmera organizaram as sucessões de ações do cotidiano de forma múltipla, trilhando um roteiro bastante linear, porém, entrelaçando caminhos diferentes da narrativa em que o público talvez não consiga acompanhar. A trajetória da população é filmada para transparecer alegria e emoção, através de cânticos, instrumentos musicais, rituais, promessas, devoções e lutas como capoeira, isso desenvolvido para atingir quem assiste, passando por uma confusão metafórica, no entanto de modo natural e simbólico do que é real e do que é humano para a sociedade.
No filme, Glauber Rocha conseguiu alcançar uma produção melhor do que seus trabalhos anteriores, trazendo conceitos de identidade e perspectivas no movimento da sociedade humana. Desenvolveu a inserção de novos atores negros e de discussões como o racismo e as questões religiosas.