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Missa da Meia Noite

Horror, fé, morte e monólogos

Pablo B. Silvino

O horror nos meios audiovisuais vem ganhando novas e interessantes roupagens nos últimos anos, e Mike Flanagan é sem dúvidas um dos principais nomes dessa geração de cineastas que exploram esse gênero. Com uma carreira ainda relativamente curta, Flanagan possui obras que geralmente são bem recebidas por público e crítica, tais como os filmes Hush: A Morte Ouve (2016) e Doutor Sono (2019), e a antologia composta por A Maldição da Residência Hill (2018) e A Maldição da Mansão Bly (2020), fruto de sua parceria com a Netflix. E é em continuidade a essa bem sucedida parceria que, no final de setembro, estreou a sua nova minissérie, Missa da Meia-Noite (Midnight Mass, no original).

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A Maldição da Residência Hill (2018)

Diferente de suas duas outras obras seriadas da Netflix, que são adaptações de clássicos da literatura gótica, Missa da Meia-Noite é uma criação original de Flanagan. A série mostra a vida de uma comunidade isolada em uma ilha. A rotina da população começa a mudar com a chegada de um antigo e renegado morador e um novo e misterioso padre, que assume o lugar do antigo monsenhor responsável pela paróquia local. Sua chegada é acompanhada de estranhos acontecimentos milagrosos, que passam a testar a fé dos habitantes.

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Missa da Meia Noite (2021)

É difícil falar sobre o enredo de Missa sem incorrer a spoilers, e esse é um tipo de obra cuja experiência de assistir pode ser comprometida, caso os pontos de virada importantes do enredo sejam descobertos antes de acontecerem. Mas alguns pontos relevantes podem ser comentados sem entrar nesses detalhes. A minissérie é um grande estudo de personagens, com Mike Flanagan trazendo aqui mais uma coleção de personagens “quebrados”, típico de seus trabalhos. Temas como alcoolismo, depressão, luto, morte e vida, falta de fé, fanatismo e intolerância religiosa são trazidos e debatidos pelos personagens em longos diálogos e monólogos que levantam reflexões e reverberam tanto entre os personagens quanto com o espectador. 

Essa estrutura mais lenta de desenvolvimento da história, focada nos personagens e na ação interna deles, pode desagradar e afastar parte dos espectadores, já que como o enredo avança pelos diálogos, a sensação de que “nada acontece” pode parecer presente, já que a ação física em si só vem a acontecer nos episódios finais. Flanagan contorna essa possível falta de ritmo com sua direção precisa (ele também acumula as funções de roteirista e montador, tendo controle quase total sobre a obra), trazendo movimento para as cenas de diálogo e monólogo com a ajuda do jogo de câmeras e da movimentação dos personagens no quadro.

Outro grande destaque da série é seu elenco. Flanagan traz parte de sua trupe habitual de atores, como Kate Siegel, Henry Thomas, Rahul Kohli e Samantha Sloyan (facilmente a maior destaque da minissérie), e adiciona novos nomes como Zach Gilford, Hamish Linklater e os jovens Igby Rigney e Annarah Cymone. Todos os atores estão impecáveis em seus personagens, e a química entre eles é palpável. O roteiro dá espaço para que todos tenham seu momento de brilhar (chega até a ser “divertido” tentar adivinhar no início dos episódios de quem será o monólogo da vez). 

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Missa da Meia Noite (2021)

As diversas metáforas presentes nos diálogos e questionamentos dos personagens também se costuram perfeitamente com o enredo sobrenatural, apesar de ser uma criatura que comumente é utilizada e representada de forma oposta à que Flanagan usa. É ela também a principal presença do estilo mais comum do horror, seja com sua caracterização nas cenas de susto fácil, que são poucas, mas bem posicionadas e não gratuitas. Sendo assim, a parte sobrenatural fica de plano de fundo dessa vez, tendo nos personagens humanos a principal fonte do terror e horror da série. E convenhamos, qualquer criatura sobrenatural empalidece quando temos uma personagem aterradora como a fanática religiosa Bev Keane, principalmente sabendo que no mundo real existem milhares como ela em posições de comando e influência. Essa é talvez a principal crítica que Flanagan traz em Missa da Meia-Noite: como a religião e a fé alheia podem ser usadas como armas de controle e destruição.

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Missa da Meia Noite (2021)

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