top of page
  • Ícone do Instagram Cinza
  • Ícone do Youtube Cinza

ENTREVISTA

Matas do Audiovisual Caririense

Mirna Karina e Mariana Caselli contam um pouco da experiência de produzir um audiovisual sobre meio ambiente, cultura e memória no Cariri

Texto de Cauê Henrique

Entrevista de Cauê Henrique e Paulo Rossi

Parece impossível, agora que me faço caririense há oito anos, pensar esta região sem localizá-la na floresta nativa que compõe a Chapada do Araripe. Do solo em que uma única chuva enverdece tudo, nascem as mais belas histórias, culturas, tradições e memórias que constituem o imaginário sobre o Cariri. E foi com essa ideia em mente que surgiu o documentário Nossa Floresta, idealizado e realizado em 2020, pelas jornalistas Mirna Karina e Mariana Caselli. Um audiovisual que não só se faz No Cariri, mas se faz Do Cariri. Recentemente, o curta foi premiado na mostra Por um Mundo Melhor, do Festival Curta Taquary.

O trabalho se trata de um curta-metragem documental que retrata, em pouco menos de dezoito minutos, os ciclos de existência, preservação e cultura em torno da mata nativa da região do Cariri. Originou-se como uma proposta de Trabalho de Conclusão de Curso para a graduação de ambas em Jornalismo da Universidade Federal do Cariri (UFCA). Segundo a sinopse oferecida pelas jornalistas, esse é um filme que “aborda a temática ambiental através de uma ótica regional, utilizando como símbolo/contexto a Floresta Nacional do Araripe-Apodi e o Soldadinho-do-Araripe”. Em rápidos e profundos minutos, o documentário evoca com singular sensibilidade uma coleção de símbolos naturais fundamentais para a composição da Chapada, confrontando o espectador caririense com uma consciência adormecida ao redor de si.

 

 

Estivemos, eu e Paulo, reunidos com Mirna e Mariana em uma vídeo-chamada, para falarmos mais a respeito do filme. E, mesmo tendo assistido à peça pelo menos três vezes, cada nova questão parecia aflorar e fluir novas histórias como a mata sobre a qual se projetava. Confira:

 

Corte Seco | Como ocorreu o processo e percurso de criação do documentário?

Mirna Karina | Se iniciou a partir de uma vontade de falar do Soldadinho (do Araripe). Mas a gente queria falar do Soldadinho não só sob a ótica ambiental, queríamos também trazer uma ótica cultural. E aí, a primeira ONG que a gente contatou foi a ONG Aquasis, que tem o projeto de preservação do Soldadinho aqui, e eu já tinha trabalhado com eles, então já conhecia a história do Soldadinho, do projeto, enfim tudo isso. Eu e Mari já tínhamos ideia de como seria, mas chegando lá o representante do projeto tinha uma ideia diferente e acabou trazendo ideias que nós puxamos também para o documentário, mas nós não queríamos exatamente que o foco fosse aquele que ele trouxe. Então aí já vimos que seria complicada a participação dele. E a sede do projeto era no bairro Pimenta (em Crato/CE) a princípio, mas depois eles se mudaram para muito longe. Inclusive em uma ida, isso é até engraçado, o Uber falou que só não largava a gente ali mesmo porque já tinha trabalhado numa revista e sabia como eram esses perrengues (risos). A gente viu que não ia ter o apoio propriamente dito dessa instituição para realizar o documentário e isso desestimulou muito. Aí conversamos com nosso orientador e ele deu várias ideias que a gente acabou trazendo pro projeto. Só que, e acho que Mari vai concordar, nunca tivemos um projeto fixo, escrito, a gente foi fazendo várias perguntas pras pessoas de diferentes óticas e viu que dava pra ir a partir disso, desse projeto que a gente montou depois. Por mais que quiséssemos seguir o projeto inicial que tínhamos pensado, tinham vários empecilhos.

Caselli | Esse negócio do projeto eu lembro que, quando a gente estava pesquisando, começando a ler, a gente viu que tem o documentário antes das filmagens, o durante e o outro depois. E foi bem isso mesmo.

Corte Seco | E como foi que vocês chegaram a esta perspectiva final? Como vocês acham que foi o processo de pensar uma temática tão ampla, e, ao mesmo tempo, específica?

Caselli | Virou algo sobre o Meio Ambiente depois dessa entrevista que Mirna citou com o pessoal do projeto do Soldadinho, porque inicialmente a gente queria fazer o documentário sobre o Soldadinho especificamente, o Censo, as pesquisas, a preservação e tal. Quando a gente chegou, o cara já falou ‘olha a gente não conseguiu fazer o Censo esse ano’ e aí falou do Meio Ambiente, falou daquela menina Greta Thunberg e sobre mudar a consciência das pessoas, etc. E aí, quando a gente voltou dessa entrevista, pensamos muito nisso, a questão do Meio Ambiente no geral e a consciência ambiental das pessoas. Aí o tema foi se expandindo e chegou nessa questão do Meio Ambiente como um todo aqui na região.

Mirna Karina | Quando eu falei que a gente pensou muito em alguns pontos que ele estava trazendo, um dos pontos que ele queria muito que a gente falasse era esse da história da Greta. Mas eu e Mari temos discordâncias de algumas coisas relacionadas à história da Greta, e foi bem na época que a gente se deparou com outras perspectivas do Meio Ambiente, como racismo ambiental, ecofascismo… E, quando ele falou, trouxe a história de uma mulher daqui que pode ser vista no documentário e queria que fizéssemos um comparativo das duas. Mas não queríamos usar essa perspectiva da Greta, então pensamos melhor e achamos interessante usar só a história dela. Ali a gente já percebia que nem ele queria falar ‘só’ do Soldadinho, né? E aí, quando levamos isso para o nosso orientador, ele sugeriu que fizéssemos blocos da história, então ela se divide em "fauna, flora, indivíduos e água".

 

Corte Seco | Como foi levar essa história a outros lugares, como o Curta Taquary, por exemplo?

Mirna Karina | Eu fiquei muito feliz. Primeiramente, porque fala da história daqui, da natureza daqui, da cultura daqui pra outro lugar, que apesar de ser perto é outro lugar. E várias pessoas falaram, comentaram sobre visitar o Cariri. Então foi muito gratificante. Uma coisa que a história conta é sobre como cada um tem seu jeito de cuidar do Meio Ambiente, do modo como pode, por isso a gente não queria também trazer a história da Greta. Uma coisa que a gente viu muito no começo da pandemia foram falas de ecofascismo e racismo ambiental, então a gente quis trazer com esse documentário uma educação ambiental pensada a partir das pessoas.

 

 

Corte Seco | E como foi o processo de pesquisa?

Mirna Karina | A gente pesquisou muito. O Soldadinho eu já conhecia por ter trabalhado no projeto. Mas aí as próprias pessoas que a gente ia conhecendo iam indicando. Por exemplo, nessa primeira reunião que eu falei com a pessoa que estava à frente do projeto de preservação do Soldadinho, ele já passou o contato da Ana Raquel, que era ativista quando criança. A gente foi primeiro procurando pessoas que pudessem dar argumento de autoridade, o caso do ICMBIO, e nós também entrevistamos o Secretário do Meio Ambiente (do Crato/CE), mas não achamos interessante colocar. O próprio pessoal do ICMBIO, antes da gente entrevistar, mandou materiais, panfletos. Mas boa parte foi na base da pesquisa básica mesmo, Google e tal. Também teve muito uma procura por perfis, por exemplo a Luciana que é permacultora, então ela tem um perfil.

Caselli | Foi bem isso mesmo, uma entrevista levando à outra. A gente leu material sobre o Meio Ambiente, Salmito, nosso orientador, indicou alguns materiais de leitura, inclusive de documentário. Mas teve isso também, boa parte das referências do relatório técnico são entrevistas. Teve uma introdução geral, e aí coisas daqui, como as ameaças ao Soldadinho. Mas nos sites mesmo, do ICMBIO, por exemplo.

Se quiser saber mais sobre ecofascismo, aqui vai  um texto para começar a entender.

soldadinho.png

O soldadinho-do-Araripe foi descoberto em 1996, no dia 15 de dezembro.

Essa é uma espécie originária da Chapada do Araripe.

Já em 2000 a ave foi colocada na lista vermelha de Fauna Globalmente ameaçada de extinção.

A ave é símbolo de Barbalha e estampa também o brasão da Universidade Federal do Cariri.

Mirna Karina | Isso que é tão gratificante, porque quando a gente foi pesquisar sobre essas questões daqui era difícil achar. É gratificante imaginar que a gente criou uma bibliografia.

  

Corte Seco | Sim, com certeza, toda uma organização de conteúdo com o trabalho de vocês. Quais critérios foram considerados na construção?

Mirna Karina | Acho que uma das coisas mais difíceis que a gente teve que fazer foi selecionar o que ia pro documentário. Então, sobre os critérios… Ah, tem uma coisa que é importante falar: a gente queria fazer um bloco inteiro focado na água, mas tivemos muitas dificuldades, por várias questões, de falar da água aqui no Cariri. Sobre os critérios em geral, o principal a gente considerava importante ter um fio condutor. Para evitar, inclusive, de termos que interromper um bloco com um corte de tela preta. Então, tínhamos que ir colocando coisas que criassem uma narrativa, a escolha dos critérios veio daí.

 

Corte Seco | E como foi a produção técnica pra vocês, com todas as dificuldades que já existem e mais a questão de ser um trabalho de conclusão de curso?

Caselli | Como tem a pandemia, a gente não podia pedir muito a ajuda dos técnicos, então foi tudo a gente. Era indo pros cantos de Uber ou pedindo carona a alguém que tinha carro. E a gente penando pra aprender a usar a câmera, aprender a usar o microfone… aprendemos, assim, mas foi complicado. O técnico, Lamonier, ajudou muito na edição.

Mirna Karina | Sim, Lamonier ajudou muito. A gente contou com ele na edição, mas de resto não dava. Contamos muito com os entrevistados, em alguns casos.

Caselli | Inclusive com carona (risos).

Mirna Karina | É, uma das melhores pessoas a entrevistar foi a Ana Raquel. Percebi que não daria pra fazer sozinha, com duas pessoas já foi difícil. A gente teve que se organizar bem para poder alternar direitinho. Só realizando o documentário foi que eu percebi como o audiovisual é elitista.

 

Corte Seco  | Como vocês pensam o futuro do documentário?

Mirna Karina | A gente enviou pro Curta Taquary, ganhamos um prêmio de pós-produção. Pelo que a gente conversa com a empresa, vai ser muito voltado pra parte técnica, cor, esse tipo de coisa. Então aí ele vai ficar um produto ainda melhor. A gente planeja continuar enviando para editais, principalmente por aquilo que eu falei no começo: é a história do Cariri indo pro Brasil. Se a gente vai ampliar ou não, depende muito de se a gente conseguisse capitalização, porque, é como eu falei, não temos como continuar sem dinheiro.

Caselli | Assim, tem os estresses por ser um TCC. Mas eu gostei muito também. Eu não sabia que era algo que ia gostar tanto, apesar de que eu entrei no jornalismo pensando ‘quero trabalhar com isso’ e quando fiz o documentário pensei ‘humm, devia ter feito cinema’.

 

Corte Seco | Como é que vocês veem a importância desse tipo de produto no cenário atual que estamos vivendo?

Mirna Karina | Bom, acho que, se pegar qualquer coisa pra falar, hoje em dia vai estar horrível. Mas o Meio Ambiente historicamente foi muito negligenciado, porque, para o sistema capitalista, ele não importa. Foi uma coincidência muito grande a gente estar falando do Meio Ambiente e vir a pandemia, mas foi muito importante. E agora vou falar algo muito triste: acredito que daqui a vinte anos, não vai mais existir o Soldadinho do Araripe. Mas o documentário vai estar aí, pra contar essa história. Então a gente criou um registro histórico. Infelizmente a estrutura não vai mudar, mas a gente tem que fazer o melhor que pode fazer.

Caselli | É muito isso mesmo, tinha vários momentos que a gente fazia entrevistas e eu sentia várias coisas, chorava, porque é muito desesperador você saber a importância do Meio Ambiente e saber que as pessoas que têm poder de fazer alguma coisa… isso que é o ecofascismo, porque não depende de mim, do Paulo, do Cauê fazer alguma coisa, depende do Governo, depende do agronegócio, das grandes empresas e essas pessoas não querem proteger. Então, isso é muito triste, a gente faz o audiovisual para conscientizar as pessoas, mas sabe que não são só as pessoas individualmente que precisam se conscientizar.

Mirna Karina | É importante conscientizar, acredito eu, a partir do ponto de vista político. Acho que é a forma mais direta que você ‘possa’ tentar mudar as coisas, a partir do ponto político. De todas as ações que a gente possa ter, acho que essa é a única que pode agir direto na estrutura.

 

Corte Seco | E como vocês acham que o curso de Jornalismo tem ajudado na produção de audiovisual do Cariri e o quanto um curso de Cinema poderia ajudar?

Mirna Karina | Nossa, demais. Acredito que essa interdisciplinaridade entre um curso de Cinema e o curso de Jornalismo iria agradar aos dois, de uma forma realmente muito proveitosa, no sentido de saírem produções boas. E como a Mari falou: ‘do Cariri, pelo Cariri e sobre o Cariri’.

Caselli | É… com certeza ajudaria muito. Pelo que eu estudei, não sei porque a grade mudou muito também, a gente tem quase nada para produzir audiovisual. A gente tem noções de roteiro, como fazer entrevista e tal, que ajudam nessa coisa do documentário, mas se tivesse um curso de Cinema seria o ideal, digamos assim.

Mirna Karina | Fora que o Cariri é tão único em tantas coisas. Gente, o tanto de produção que poderia falar sobre a cultura do Cariri, não é pouca, sabe? Seria interessante ver o Brasil falando dessa região.

 

Corte Seco | Como vocês veem a relação do caririense com a Chapada? E a relação da representação e visibilidade da região?

Mirna Karina | Eu acho que muitas percepções que a gente tem são uma questão de classe. A população que vive na zona rural vive super bem com a Chapada. Existe um trabalho de educação ambiental que funciona para trabalhar com essas pessoas a relação proveitosa que a natureza oferece. As pessoas que precisam da natureza para sobreviver encontram um boa relação com o ambiente. No geral, a gente tem sim uma região que é muito apegada à Chapada. Sobre a representação e visibilidade, eu acredito que a partir do momento que a gente divulga ainda mais o que é que está acontecendo no Cariri a gente consegue ainda mais investimentos e capitalização e que aquilo se torne do Brasil também.”

Caselli | Tinha que ser uma coisa mais divulgada, porque é mainstream, a gente vê desenhos, a imagem do Soldadinho toda hora em todo lugar, mas só quando eu fui fazer o documentário foi que entendi a gravidade disso mesmo, tem pouquíssimos passarinhos. Sobre a relação do caririense com a Chapada, pelo menos pra mim, é muito difícil estar no meio da natureza e não sentir aquilo ali. Então eu penso que as pessoas realmente não estejam tendo esse contato.”

Mirna Karina | Até você criar um apreço pela natureza pode ser proveitoso pra natureza.

 

Agora que você conhece um pouco da história, acesse o link para assistir ao documentário Nossa Floresta e divulgue! Do Cariri pro mundo, talvez possamos mudar algum dia.

    bottom of page