“Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo” reflete sobre amor e solidão de forma poética
- Corte Seco
- 19 de mai.
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Escrito por Rafaelly Lima
Lançado em 2009, o longa-metragem de drama e ficção acompanha a jornada de José Renato pelo sertão nordestino. Com narrativa poética e reflexiva, apoiada em uma premissa comum, o filme retrata fragmentos da realidade a partir de pensamentos e falas de um protagonista que não se faz presente de maneira física. O filme brasileiro é dirigido por Marcelo Gomes, autor de “Retrato de Um Certo Oriente” (2024), e Karim Aïnouz, diretor de “Motel Destino” (2024).

José Renato, personagem principal interpretado por Irandhir Santos, é um geólogo que percorre o Nordeste para realizar uma pesquisa. Enquanto avalia se determinados locais podem receber um novo canal para a passagem de um rio, o protagonista reflete sobre sua solidão durante a viagem e a saudade que sente de seu grande amor. Assim, as primeiras cenas se constroem a partir de uma bem construída união entre momentos de silêncio, nos quais a tela é preenchida por paisagens, e falas de Renato, que conta os dias para o fim da viagem.
“Se aqui tivesse correio mandava um telegrama pra você com estas palavras: Viajo porque preciso, volto porque te amo.”
É logo nesse início que o nome do filme é apresentado como elemento essencial da história. "Viajo porque preciso, volto porque te amo" é uma frase encontrada por Renato em um posto e, a partir daí, passa a se repetir em suas reflexões. Ainda nesse contexto, o longa demonstra como sua temática de saudade e sensação de abandono pode não se restringir apenas ao protagonista, ao exibir diversos caminhões que passam pela estrada, sugerindo a existência de outras pessoas que também seguem viagem, sem que, no entanto, se tornem personagens de fato.
Embora o trabalho justifique a viagem, até mesmo quando fala de seu ofício, ele reflete sobre a sensação de abandono — como no momento em que encontra uma família isolada e revela não acreditar na alegria de quem vive ali. Após cenas em que José Renato elabora pensamentos sobre o amor e planeja levar flores para a namorada botânica, a narrativa toma um novo rumo.
“Viajo porque preciso, não volto porque ainda te amo”
O longa apresenta uma reviravolta em sua metade. Enquanto José Renato busca se aproximar de outras pessoas após um longo período de solidão na estrada, ele revela que seu grande amor pertence ao passado e que a viagem é uma forma de lidar com o término. Com essa revelação, o filme também muda de ritmo. A partir desse momento, a presença de outros personagens se torna mais frequente. Normalmente, eles são apresentados por meio da narração do protagonista. No entanto, há uma exceção notável: Patrícia, personagem de forte presença, que ganha espaço para relatar sua própria história.
Apesar da mudança no ritmo e nos pensamentos de Renato, que agora não deseja o fim da viagem, e ainda que a premissa seja simples, um término que precisa ser superado, o filme segue com a temática do amor e suas nuances durante todo o longa. Seja por meio da história do próprio protagonista ou das vivências de outras pessoas com as quais ele se depara, o filme possui uma narrativa bem construída, mantendo uma linha temática consistente ao longo de sua trama.
No fim, José Renato se apresenta como alguém pronto para seguir em frente, conclusão que é montada pela união da sua narração e imagens de pessoas mergulhando, que por si só já informam muito. A finalização é rápida se comparada com o ritmo do restante do filme, no qual os pensamentos e informações costumam se repetir. Contudo, ela é realizada no mesmo molde, com o protagonista refletindo sobre a viagem e o amor.
“Por isso fiz essa viagem, pra me mover, pra voltar a caminhar”
Para além da narrativa central, o longa leva o telespectador a refletir sobre questões sociais em diferentes momentos. Um dos assuntos relevantes é a criação do canal, cuja execução significa a desapropriação de algumas casas. Por meio da apresentação de quem são os moradores desses locais, o filme humaniza a situação. Renato chega a refletir sobre isso, se perguntando se o rio precisava passar exatamente ali, mas logo concluí que aquele não era um problema dele. Isso, junto ao fato de que o assunto é deixado de lado, pode levar o público a também esquecer, mas também levanta um questionamento: o quanto o protagonista, e nós mesmos, deixamos debates importantes de lado?
Outras questões sociais são apresentadas nas narrativas dos personagens, como a normalização da violência contra a mulher em um relacionamento, que é narrada pelo protagonista a partir de um encontro com um casal. Trata-se de outro assunto que não é profundamente discutido, mas pontua uma cruel e deplorável realidade que muitas vezes é encoberta sob o rótulo de amor. Assim como no exemplo anterior, o espectador pode acabar deixando o assunto de lado, mas aquele que assiste de forma atenta é capaz de refletir o quanto o tema foi, e ainda é, banalizado.
Contando com fragmentos do Nordeste como plano de fundo, retratando determinados espaços em tempos específicos, “Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo” pode não agradar a todos os públicos, graças ao seu ritmo que não se mantém o mesmo durante os 71 minutos, repetitivos momentos de silêncio e reflexões sobre o amor e seu fim. Contudo, sua temática é consistente. Partindo da premissa simples de uma superação de término, o longa aborda o amor de maneira abrangente, incluindo a solidão e a montanha russa que a vida é.

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